Apesar de ser radioamador, nunca estive na vanguarda dos avanços no hobby. Meu modo favorito continua a ser o CW. Além dele opero em fonia, RTTY e Feld Hell. Meu rádio base é um Yaesu FT450D, um equipamento básico, muito eficiente e robusto, de recepção fantástica utilizando o mais do que aprovado método de “super-heretodinagem”. Sou um clássico para meus amigos, ou um obsoleto para meus inimigos.
Além do rádio, uma de minhas outras paixões é a informática. Naturalmente iria mais cedo ou mais tarde me interessar pela junção entre rádio e informática, ou seja, o “SDR” ou rádio definido por software. Existem dezenas deles acessíveis pela Internet, porém desejava testar um aqui na minha estação. Mas antes algumas palavras muito econômicas sobre os rádios comuns e os SDRs.
No método clássico Super-heteródino, parte do receptor é sintonizado pelo usuário para assim selecionar uma frequência específica captada pela antena que é misturada (daí a origem do nome super-heteródino) a um sinal gerado por um oscilador dentro do receptor. Através dessa mistura é possível converter a frequência sintonizada pelo usuário em uma única frequência fixa, não importando onde o dial do rádio se encontre. Dessa forma é possível especializar o circuito detector do rádio aumentando enormemente sua eficiência. Este método é bastante eficiente, está em uso há décadas com ampla consagração. É importante frisar que neste método não há conversão alguma da natureza analógica da frequência sintonizada. É extremamente importante essa observação pois é o núcleo da diferença entre um receptor super-heteródino (analógico) e um SDR.
Mas o que significa analógico? Essa palavra carrega atualmente diversos significados, e até mesmo uma ideia de algo “obsoleto” porque “digital é melhor”. Mas esta suposta inferioridade é inadequada e dificulta a compreensão da palavra. Analógico significa “proporcional a alguma coisa”, “variar semelhante a variação de outro algo”. Sua bicicleta acelera a medida que você pedala mais rápido. Então sua bicicleta responde de forma analógica a você pedalando. Como é fácil observar, seu corpo, seus sentidos, as forças elementares da natureza, o Universo macroscópico funciona de forma analógica. A matemática gosta muito do analógico, nesta linguajem, o analógico é descrito como uma Função.
Pois bem, o que há de analógico em uma transmissão convencional, digamos, de voz em amplitude modulada (AM)? Simples, as frequências variáveis de nossa voz provocam uma variação análoga na amplitude da onda transmitida pelo transmissor AM, assim ela pode portá-la ate o receptor super-heteródino, que no final vai fazer variar a alimentação de um alto-falante analogamente a amplitude da frequência recebida por ele e assim temos nossa voz restituída. Note que desde a pronúncia das palavras no microfone do transmissor até a reconstrução de nossa voz no alto-falante do receptor tudo foi através de procedimentos analógicos. Mas uma vez lembrando: todos os nossos sentidos são analógicos, se você precisa transmitir uma informação para um Ser Humano, por mais complexo que seja o meio de comunicação, ou mais simples, a etapa final do método de recepção da informação envolve algo de analógico. Podemos discutir se a telegrafia escaparia dessa regra. Discussão muito interessante, pois envolve a percepção de tempo e ritmo pelo Cérebro que funciona apenas analogicamente. Porém não é o objetivo deste texto desenvolver esse ponto.
Se tudo fluindo por procedimentos analógicos é tão simples e mais acomodado à nossa natureza humana por que complicar o samba com essa história de digital? Para economizar espaço e tempo. Transmitir e receber informações apenas por métodos analógicos ocupa muito espaço e é lento. Computadores (sim, sempre eles) podem fazer o serviço de uma forma muito mais econômica. Porém há uma questão: computadores atuais não são dispositivos analógicos em seus núcleos, eles lidam apenas com o estado de há corrente elétrica ( 1 ) e não há corrente elétrica ( 0 ): o código binário. É aqui que entra o rádio SDR. Nele o que seria “processado” analógicamente pelo misturador, bobinas de frequência intermediária e detector do rádio super-heteródino é convertido (e bota conversão nisso) para código binário. É como se o SDR atribuísse uma espécie de "placar" para a tensão que ele recebe pela antena. Essa maçaroca de código binário, números, é enfiada em uma CPU (a do próprio dispositivo SDR ou seu PC) para assim extrairmos a informação que desejamos das ondas eletromagnéticas através de cálculos matemáticos. A conversão de analógico para digital não é na verdade tão trivial assim e não é perfeita, algo sempre se perde. É outra discussão muito interessante que nos convida a adentramos na ontologia.
Uma vez que por um software interagimos com a CPU (daí o nome SDR) encontramos e tratamos a informação que desejamos em meio aos códigos binários, caso ela tenha como destinatário final nós humanos, precisamos reconverter o código binário para o analógico. Esta reconversão também complexa e novamente não é perfeita, algo sempre fica faltando. Mais ontologia. Reconvertendo temos imagens, sons, movimentos, luzes etc. compreensíveis por nós seres não máquinas.
Beleza macanudo! Tudo QSL! Mas não estou interessado em economia e velocidade, eu sou radioamador raiz! Por que deveria tentar um SDR Nutella ? Há vários bons motivos. Não vou destacar todos, apenas 2. Primeiro que um receptor SDR é algo bastante modificável. Um receptor convencional necessita de intervenções físicas para que possamos aprimorar algo, é um receptor mais engessado vamos dizer assim. Porém em um SDR podemos “ensiná-lo” a ser mais eficiente no processamento dos sinais, podemos fazê-lo entender o que não entendia antes, adicionar plug-ins de limpeza do sinal, filtros, algoritmos de aprendizagem de máquina etc sem necessariamente modificar o hardware. Enorme vantagem. Em segundo lugar os SDR possuem uma interessante capacidade de “enxergar” uma enorme banda passante, ou seja, você pode observar o que se passa em toda uma banda de radioamador ou várias bandas pois o SDR é capaz de converter os sinais recebidos em som e imagem (gráficos) simultaneamente, uma possibilidade excelente para contestes por exemplo.
Bom, foi econômico como prometi e não entrei em ontologia. O Assunto é extremamente vasto e empolgante! A era dos SDR definitivamente chegou.
(Agradecimentos ao Professor Saad - PY1DPU pela revisão dessa marmota.)
Comments